quinta-feira, 30 de abril de 2009

Walter Benjamin/Origem do Drama Barroco Alemão

(...)o mundo não conhece um livro que seja maior que ele próprio; mas sua parte mais gloriosa é o homem, ante o qual Deus imprimiu, em vez de um belo frontispício, sua imagem incomparável(...). O livro era considerado um monumento permanente ao teatro da natureza, rico em coisas escritas (...). Enquanto cidades inteiras submergem e são inundadas pelo mar, livros e escritos estão isentos dessa destruição, pois os que se perderam num país e num lugar poderm ser facilmente reencontrados em outros; nada há na experiência humana de mais duradouro e imortal que os livros.
Walter Benjamin, Origem do Drama Barroco Alemão. São Paulo, Brasiliense, 1983, pp.184-185

terça-feira, 14 de abril de 2009

Jean-Paul Sartre/O Existencialismo é um Humanismo

Dostoievski escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido". Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. O existencialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos atos e que, por conseguinte, tal paixão é uma desculpa. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa paixão. O existencialista não pensará também que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que há de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe aprouver. Pensa, portanto, que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a cada instante a inventar o homem. Disse Ponge num belo artigo: "O homem é o futuro do homem". É perfeitamente exato. Somente, se se entende por isso que tal futuro está inscrito no céu, que Deus o vê, nesse caso é um erro, até porque nem isso seria um futuro. Mas se se entender por isso, seja qual for o homem, tem um futuro virgem que o espera, então essa frase está correta.
Jean-Paul Sartre. O existencialismo é um humanismo, Col. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973, pp. 15-16

domingo, 12 de abril de 2009

Plutarco/O Amigo e o Bajulador

(O bajulador) espreita, por assim, dizer, o primeiro germe de nossas paixões, a fim de atiçar o fogo, nutrir feridas perigosas, e entregar à corrupção essas partes viciadas de nossa alma. Você está encolerizado? “Castigue”, ele lhe dirá. Você deseja algo? “desfrute”. Você tem medo? “Fuja”. Você tem suspeitas? “Acredite”

Semelhante aos pintores ruins, cujo talento, muito fraco para exprimir os traços mais belos, só representam a semelhança através das rugas, cicatrizes e outras deformidades, (o bajulador) só sabe imitar as nossas desordens, nossas superstições, nossa cólera, nossa rigidez para com nossos escravos, nossa desconfiança para com nossos parentes e nossos próximos.

De qual bajulador é preciso se proteger? Daquele que não aparenta sê-lo, que nunca surpreendemos rodeando as cozinhas ou calculando no relógio a hora do jantar, e que nunca se permite à mesa nenhum excesso, mas que é sóbrio e moderado, curioso para ver tudo e tudo ouvir, procura antes envolver-se nos nossos negócios, penetrar em nossos segredos mais íntimos; enfim, aquele que, longe de interpretar seu personagem bufão ou comediante, conserva na conduta ou caráter sério e honesto.

Plutarco. Como distinguir o amigo do bajulador. Tradução de Célia Gambini. São Paulo, Scrinium, 1997

sábado, 11 de abril de 2009

Hannah Arendt/O Pensar

O pensamento acompanha a vida e é ele mesmo a quintessência desmaterializada do estar vivo. E uma vez que a vida é um processo, sua quintessência só pode residir no processo real do pensamento, e não em quaisquer resultados sólidos ou pensamentos específicos. Uma vida sem pensamento é totalmente possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência - ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos.
Hannah Arendt, A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1995, p.143

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Deleuze/Signos e acontecimentos

Os filósofos trazem novos conceitos, expõem novos conceitos, mas não dizem ou não dizem completamente, os problemas aos quais esses conceitos correspondem. Por exemplo, Hume expõe um conceito original de crença, mas não diz por que e como o problema do conhecimento se coloca de forma que o conhecimento seja um modo determinável de crença (...) A Filosofia consiste sempre em inventar conceitos (...) Hoje a informática, a comunicação, a produção comercial é que se apropriam das palavras conceito e criativo, esses conceituadores constituem uma raça arrogante que exprime o ato de vender como supremo pensamento capitalista, o cogito da mercadoria. A Filosofia sente-se pequena e solitária diante de tais potências, mas, caso lhe aconteça morrer, pelo menos será de rir.

Gilles Deleuze, Signos e Acontecimentos.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Friedrich Nietzsche/A Gaia Ciência







(...) Nós filósofos não temos a liberdade de separar entre alma e corpo, como o povo separa, e menos ainda temos a liberdade de separar entre alma e espírito. Não somos rãs pensantes, nem aparelhos de objetivação e máquinas registradoras com vísceras congeladas - temos constantemente de parir nossos pensamentos de nossa dor e maternalmente transmitir-lhes tudo o que temos em nós de sangue, coração, fogo, prazer, paixão, tormento, consciência, destino, fatalidade. Viver - assim se chama para nós, transmudar constantemente tudo o que nós somos em luz e chama; e também tudo o que nos atinge; não podemos fazer de outro modo.

A Gaia Ciência, Prefácio da Segunda Edição, §3 in Col. Os Pensadores, Nova Cultural, São Paulo, 1999, p.175.